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Desafios da vida feminina

 

Como as mulheres lidam com o assédio

As mulheres lidam com o medo diário de serem abusadas física ou psicologicamente por homens há muito tempo. E os números de casos vêm crescendo cada vez mais. Em fevereiro de 2019 o Instituto Patrícia Galvão, em uma pesquisa com 1.081 brasileiras, de todas as classes, com 18 anos ou mais, apontou para o surpreendente dado: 97% das mulheres entrevistadas afirmaram ter sofrido assédio em meios de transporte, 71% conhecem mulheres que já sofreram assédio em espaço público e 46% não se sentem confiantes para usar meios de transporte. Já o Ministério dos Direitos Humanos (MDH) fez um balanço de ligações feitas para o Ligue 180, Central de Atendimento à Mulher, e registrou que no período dos primeiros seis meses de 2019, os relatos de violência chegaram a 46.510.

Antes de analisar os números, é necessário saber o que configura um assédio. Segundo a cartilha sobre Assédio Moral e Sexual do Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça do Senado Federal, “trata-se de um comportamento de teor sexual merecedor de reprovação, considerado desagradável, ofensivo e impertinente pela pessoa assediada”. No mesmo documento existe outra definição da palavra: “para caracterizar o assédio sexual, é necessário o não consentimento da pessoa assediada e o objetivo - por parte de quem assedia - de obter vantagem ou favorecimento sexual”.

Diante dessa realidade, as mulheres vêm desenvolvendo maneiras de se proteger. Os métodos mais recorrentes utilizados por elas para evitar qualquer tipo de violência são: fingir ou fazer uma ligação quando estão em algum transporte individual, encostar as costas na parede de algum transporte público para evitar esbarrar em algum homem, entrar em prédios desconhecidos quando se sentem ameaçadas, compartilhar o trajeto com as amigas e avisar quando chegam em casa.

Foto de arquivo pessoal da Beatriz Aguiar

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Beatriz Aguiar compartilhando sua corrida com uma amiga

A estudante de produção cultural Beatriz Aguiar, de 21 anos, conta que possui alguns métodos na hora de pegar um transporte particular. “Quando está de noite eu peço sempre para um amigo me acompanhar no transporte, mas se vou sozinha tento sempre compartilhar o caminho com uma amiga e ligar para minha mãe durante o trajeto avisando onde estou e qual é a placa do carro”. Além disso, ela conta um episódio em que não se sentiu segura. “No início do Cabify e do Uber eles ofereciam água. E em um dia, voltando da academia, o motorista me ofereceu e eu aceitei. Assim que eu tomei me senti sonolenta e avisei ao meu namorado da época o que tinha acontecido. Por sorte, ele estava perto do meu caminho e então cancelei a corrida e fui encontrar com ele. Fico imaginando o que poderia ter acontecido se tivesse bebido toda a água”, comenta.

Mas não foi só em transporte por aplicativo que Beatriz Aguiar sofreu assédio. “Quando tinha uns nove para dez anos estava no ônibus voltando para casa e um homem subiu a minha saia do uniforme que eu usava. Depois que puxei e me endireitei, desci do transporte e fui pegar outro para ir embora”. Mas a estudante garante que não está livre de sofrer abuso mesmo usando alternativas acima listadas. “Nessa semana peguei um metrô lotado, não consegui me encostar na parede e acabou que um homem ficou atrás de mim se esfregando”, relata.

A mesma situação ocorre com a estudante de jornalismo, Caroline Alves, de 23 anos, que por sofrer um abuso semelhante no transporte público aponta: “estava em pé no ônibus cheio e um cara atrás de mim se movia sempre junto comigo. Fiquei muito desconfortável, mas estava superlotado então não deu para sair daquela situação”. Ela ainda cita que já pensou em fazer aulas de defesa pessoal para se proteger.

Já a secretária Tania Mara dos Santos Melo, de 46 anos, costuma usar a estratégia de alterar sua rota para não ficar marcada. “Tenho o costume de não andar pelo mesmo caminho sempre. Penso em outras formas de ir ou voltar de algum lugar para que não fique 'marcado' por alguém que esteja me observando”. Além de comentar que sempre deixa seu marido e suas filhas avisadas quando saí do trabalho e de casa para que estejam cientes caso alguma coisa aconteça com ela.

Foto por Fabyane Melo

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Tania Mara dos Santos Melo no ponto de ônibus para pegar o coletivo para o seu trabalho 

Foto por Fabyane Melo

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Foto de Tania Mara dos Santos Melo

Para as mulheres viver com essas apreensões na cabeça todos os dias é considerado normal e corriqueiro. O que faz com que esses medos e prevenções sejam compartilhados com as amigas ou filhas. “Eu sei que deveríamos estar ensinando os homens que o que eles fazem é errado, mas acabo ensinando as minhas filhas a tomarem cuidados e a estarem sempre atentas”, completa Tania.

E foi exatamente o que a estudante de jornalismo, Caroline Belo, de 21 anos, fez logo depois de notar que um homem a encarava no trem. “Eu fiquei mega incomodada. Guardei o celular e tentei me distrair com outra coisa, mas ele continuou me olhando. Aí passaram uns minutos, o trem tava cheio, e ele deu um jeito de vir pro meu lado. Não encostou em mim nem nada, mas ele ficava arrumando a roupa toda hora. E nós, mulheres, nunca sabemos se vai rolar um assalto, assédio ou qualquer outra coisa, né? A gente só tenta se prevenir. Comecei a me sentir mal e, mesmo o trem estando cheio e eu longe de chegar na faculdade ainda, levantei e fui pra perto dos meus amigos. Fui em pé, mas tranquila”, conta

Outro caso vivido por ela foi quando estava dormindo, no mesmo transporte coletivo, e acordou com um homem lhe apertando. “Olhei pro lado e era um velho de uns 50 e tantos anos. Ele estava muito à vontade no banco, ocupando mais espaço do que o normal, com as pernas abertas e os braços meio largados. Aí qualquer movimento que o trem fazia, ele já ia pro lado e o cotovelo dele me machucava. Eu olhei de cara feia e mesmo assim não se tocou e continuou me machucando muito. Quando eu tomei coragem pra falar algo, ele disse uma frase que eu não entendi e saiu”.

Mas não é só na parte do dia que as mulheres ficam com medo. “Aconteceu de eu passar por algum lugar à noite, cheio de homens, e ouvi um ‘boa noite’ e recebi um olhar malicioso. Acho que todas as mulheres já passaram por isso, né? Mas ninguém merece. Todo dia o mesmo medo de não saber o que pode acontecer com a gente ao sair de casa”, confessou Caroline Belo.

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Mulheres conscientes 

Só que essas inconveniências não costumam acontecer somente em transportes públicos. Ingrid Peixoto, de 19 anos, do Movimento Feminista da vertente radical, revela que todas as mulheres estão fadadas a sofrerem assédio nas ruas devido a sociedade patriarcal em que vivemos: “aprendi com o feminismo que, basicamente, existem muitos tipos e níveis de assédio. Mas compreendi, principalmente, que qualquer coisa que invada meu corpo e faça eu me sentir desconfortável deve ser falado. A gente não pode continuar deixando nossos corpos serem tocados sem permissão, em hipótese alguma”. 

E para Ingrid Peixoto só há uma única forma de prevenção contra o assédio. “Eu lembro de uma postagem que sempre aparece no Facebook: ‘ensinem seus filhos a não assediarem para que não precisamos ensinar nossas filhas a tomarem cuidado’. Acho importante a gente reconhecer que independente do que a gente faça estamos sempre correndo o risco. Podemos ser assediadas sóbrias ou não e vestidas com as roupas mais compridas ou não. Não tem como se prevenir, o que precisamos fazer é ensinar aos homens o que não fazer. Esse é o método mais eficaz para combater um assédio”, declarou.

As aflições que as mulheres passam ao tentarem evitar assédios podem causar sintomas diferentes em cada uma, declara a psicanalista Sandra Chiabi: “Enquanto uma mulher pode tomar estas precauções todos os dias e se sentir bem, pois é uma forma de proteção, a outra pode acabar sentindo ansiosa e angustiada, já que passa a maior parte do seu tempo pensando em maneiras de evitar o abuso”. A doutora ainda fala que as mulheres podem acabar não aproveitando o que está ao redor pelo medo constante do assédio.

Iniciativas contra o assédio

A revista CLAUDIA se juntou ao aplicativo Uber e a ONU Mulheres para uma campanha contra o assédio durante março de 2019, pois é nesse período em que se comemora o dia das mulheres. Segundo a revista, a campanha tinha como objetivo passar informações e prevenção de assédio para os motoristas que são os parceiros da plataforma Uber. Para que isso ocorra eles produziram juntos uma cartilha digital e um vídeo que mostra situações de assédio e como proceder a partir delas. Além disso, os motoristas tiveram a oportunidade de participar de palestras sobre o conceito de machismo e feminismo. Essas ações aconteceram no Rio de Janeiro, São paulo e Recife.

Vamos Juntas é um outro exemplo de iniciativa. Segundo o site do projeto, o propósito de criar o movimento surgiu após a Jornalista Babi Souza ter a ideia de que se as mulheres se unissem na rua se sentiriam mais seguras. Essa ação foi postada no Facebook da Jornalista que recebeu mais de cem mil curtidas em duas semanas. O objetivo é estimular o sentimento de irmandade entre as mulheres.

Think Olga é uma organização não-governamental com o intuito de criar debates que possam trazer transformações culturais e impactos positivos nas vidas de todas as mulheres. A organização possui o projeto Chega de Fiu Fiu que visa combater o assédio sexual nos espaços públicos. O movimento criou, segundo o site, um estudo online sobre a opinião das mulheres, com relação as cantadas na rua, além do mapa Chega de Fiu Fiu que mostra os principais pontos que ocorrem abusos em todo o Brasil. Fizeram também, o e-book Meu Corpo Não é Seu que contém depoimentos de violências vividas pelas mulheres e como esse assunto é importante. Em parceria com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo produziram uma Cartilha sobre Assédio Sexual. Por fim, em 2018 lançaram um documentário, que carrega o mesmo nome do movimento, para discutir sobre o assunto.

É possível concluir que o assédio faz parte da vida de qualquer mulher seja na rua, em transportes públicos ou privados. Sendo assim, elas precisam aprender desde cedo a como se prevenir e se manter segura diante dessas situações. Perante esse cenário, elas podem desenvolver problemas que afetam sua saúde física e mental. E é nesse contexto, que iniciativas, já citadas, surgem com a intenção de diminuir tais violências, para quem sabe assim, construir uma sociedade em que permite a mulher ser quem ela quiser ser.

Por: Fabyane Melo e Fabyene Melo

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